terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Terceiro Capítulo - Postado!

Capítulo 3

Se vista por cima, não só a cidade de Saint-Denis, mas todas as cidades da era medieval formavam-se como linhas de quarteirões que iam se encaracolando em volta das outras. Devido às grandes invasões de séculos atrás e para obterem mais segurança, os citadinos construíam suas casas de madeira, taipa ou qualquer outro material que pudesse fazer uma casa e que não fosse de um custo consideravelmente alto. (continue lendo)


O velho Giovanni logo depois de ficar ciente dos rumores de que os ingleses marchavam par ao sul e provavelmente até Saint-Denis, continuava a andar atento a mais rumores pela praça movimentada. Já a alguns metros dos dois homens viciados em jogatinas, ele passava por uma estreita área cheia de barracas feitas de couro. Na maioria das barracas, vendia-se de tudo, desde produtos caros até aos baratos, como as especiarias orientais e imagens toscas de santos. O médico continuou andando pelas barracas, entre os comerciantes encontravam-se crianças, adultos e idosos. Em uma das bancas, onde se vendia peixes, um saltimbanco com um sapato vermelho e pontiagudo sobrepunha-se a uma espécie de calça apertada que até delineava seu órgão genital. O artista vestia um colete colorido em vermelho e azul, na cabeça havia um chapéu pontudo e uma máscara branca com um enorme nariz cobria-lhe o rosto.
No momento em que Giovanni se deparou com a máscara, em um piscar de olhos adormeceu em um dos seus pensamentos e das suas lembranças.
“O menino estava deitado na cama, olhava para o teto de palha, não se ouvia som algum, parecia estar sozinho, somente uma lamparina que ameaçava a apagar fazia-lhe companhia. Sem levantar-se da cama, ainda deitado virou a cabeça para observar o resto da casa, nada se movia, a mesa com os dois cavaletes estava intacta com seus copos inertes. Um vento soprou o rosto do garoto e acabou por apagar a lamparina, tudo ficou escuro, não era possível enxergar coisa alguma, ele começou a sentir um aperto no peito e que subiu para a garganta, sentia-se sufocado, amedrontado, um início de estado de choque. Os calafrios tomavam-lhe conta, uma voz chegou aos seus ouvidos: ‘Giovanni, cadê você? Não pode se esconder de mim...’ De repente, o telhado de palha foi rasgado por duas mãos gigantes, com unhas pontudas e asquerosas, enquanto todo o telhado era arrancado pelas duas mãos, o menino afundava-se amedrontado no rústico colchão, o enorme buraco deu espaço a um rosto coberto por uma máscara branca, com uma espécie de óculos e com um nariz comprido e pontudo, era a tradicional máscara dos médicos que tentaram combater a peste. Dos olhos da máscara, escorriam lágrimas de sangue e que caiam sobre o menino molhando todo o seu corpo. Ele tentou correr, mas uma criança de mais ou menos quatro anos parou do lado da sua cama com a mesma máscara, aos poucos, sua cama foi rodeada por homens, mulheres e crianças usando a tal máscara. Simultaneamente as máscaras enchiam-se de bolhas negras e estouravam jorrando sangue, aos poucos os corpos caiam em cima do garoto enquanto pediam por ajuda.”
Giovanni acordou de seu pensamento e o saltimbanco se aproximava fazendo um espetáculo com pedrinhas, as pedras subiam e desciam sem que o artista as deixasse cair, enquanto apresentava o show e pessoas passavam de todos os lados e mesmo todo o barulho das conversas, o artista perguntou:
- O senhor está bem? – em som abafado devido à máscara.
- Sim, estou bem! – dizia com os olhos vidrados no nariz pontudo do artista e por vezes imaginava uma boca com dentes assustadores.
- Então venha comprar um de nossos produtos – fazendo um gesto com a mão para que o médico fosse até a barraca.
Sem hesitar, mas assustado, o velho aproximou-se da banca e olhou para alguns salmões e arenques frescos, um senhor com túnica marrom e com a barba relaxada o atendeu. Giovanni pediu por um salmão e lhe pagou bom florim por ele. Ao se distanciar da barraca, ele continuava observando o saltimbanco que alegrava algumas crianças que por ali passavam. De tanto olhar para trás, Giovanni trombou em um carrinho com sacos de trigo italiano, que quase tomava toda passagem.
Já quase cruzando toda a praça, parou para olhar uma dança camponesa, mas que não estava composta por camponeses, mas sim por citadinos, todos pulavam e cantavam em roda, girando sem parar. As mulheres com seus vestidos apertados na cintura e com os seios fartos que pulavam assim como seus corpos, sorriam, muitas sem dentes e descalças para uma melhor movimentação. Os homens com calças apertadas e com sapatos de bico, suavam suas camisas com coletes que eram amarrados na frente. As mulheres iam até o centro da roda e faziam reverencias a si mesmas, logo depois os homens faziam. As roupas sujas e suadas traziam um mau cheiro, que quando misturado ao cheiro de bebidas dos participantes, se tornava insuportável se não fosse pela banca de perfumes caros que era bem próxima e pela alegria de espetáculos
A praça era um lugar de muitos cheiros, caras, línguas, rumores, jogos e brigas. Aonde as pessoas iam para conversar, amar, negociar, duelar, dançar, enfim, relacionar. Era um lugar livre e atraia grande movimentação, embora não fosse muito limpa, havia algumas leis que exigisse o mínimo de higiene das pessoas, como não jogar detritos e excrementos onde as pessoas passassem.
Ao sair da praça, se deparou em uma esquina com uma igreja antiga, embora já tivessem sido construídas muitas igrejas altas, com vitrais, no estilo gótico, algumas dessas igrejas românicas ainda estava presentes em vários ambientes. A igreja se erguia com pouca altitude, mas era larga, feita de pedras e sem muita ornamentação, sem janelas e com aparente obscuridade. Tinha uma porta dupla de madeira, um arco esculpido dava um dos poucos toques que a enfeitavam. Muitas pessoas evitavam passar por ali, a construção dava certo ar de medo a elas. Bem acima da fachada de igreja, erguia-se um sino e uma cruz onde acabava de pousar uma pomba.  
Enquanto a praça estava muito movimentada, na esquina por poucas vezes se via uma pessoa ou outra. Giovanni resolveu não gastar seu tempo ali, seguiu pela rua formada pela esquina da igreja. Sentiu que apesar do clima de outono, o frio já começava a se tornar pouco mais atordoante, mas um mau cheiro em seu corpo pela falta de banhos, o que era completamente normal nessas épocas do ano, passou a ganhar vida. Continuou a se direcionar com passos mais rápidos pela rua que cruzava com a esquina da igreja, o tempo nublado começava a ficar um pouco mais escuro, com nuvens mais pesadas e enegrecidas, espectros se tornavam mais densos abaixo das nuvens, premeditando uma chuva, ou talvez uma tempestade.
A viela era pouco movimentada, tinha muitas casas rústicas, poucas cores e fortes sinais do passar do tempo, as paredes de pedras já estava desgastadas e rachadas. Entre as pedras alinhadas no chão, via-se o excesso de excrementos que por vezes eram jogados pelas janelas dos citadinos, isso dava um aroma nada agradável a quem não estivesse acostumado ao ambiente. Giovanni passou por três mulheres com vestidos volumosos que arrastavam as barras nos líquidos mal cheirosos da rua, elas cochichavam e isso causou certa inquietude no velho. A maioria das casas mantinha-se de portas fechadas, havia portas de todos os tipos, todas de madeira, mas algumas rabiscadas, outras com cadeados, outras com buracos e algumas se faziam apenas com um pedaço de madeira encostado.
A viela era escura, pois dos dois lados abarrotavam-se casas. E diferentemente da alegria e da movimentação da praça, ali havia um sentimento de incerteza e pouco movimento, se não fosse por alguns animais, como galinhas e porcos que perambulavam enquanto seus donos desesperados corriam atrás deles. A única manifestação de alegria que Giovanni observou e viu, foi de alguns garotos que vinham correndo em sua direção com alguns frutos e pães, que provavelmente pela condição de suas roupas, haviam roubado. Mas o médico não tentou detê-los, sabia muito bem o que era a fome.
Eu fim da viela, Giovanni deu de cara com a grandiosa basílica de Saint-Denis, da fachada erguiam-se quatro pilares enormes, com uma espécie de Arco de Constantino, em que as portas em arco se dividiam em três, cada uma entre cada dois pilares. Acima das portas, erguiam-se exuberantemente vitrais que davam mais luminosidade no interior da basílica. Entre os vitrais e no centro da fachada, havia uma rosácea enorme e muito colorida, para todos significava “A Criação”. Ali estavam enterrados reis franceses, como Carlos I da Sicília e Filipe IV, e eram coroadas quase sempre as rainhas. Tal construção causava a qualquer um que passasse por ali, seja quantas vezes fosse, certa admiração, pelo tamanho, pela beleza, influência e inovação.
Inclusive Giovanni estava muito impressionado e parou por minutos para ficar observando enquanto se aproximava da basílica. Ao chegar bem perto, se sentiu muito menor, o tamanho da construção era monstruoso, assim como a sua beleza arquitetônica era fora do comum. Na verdade era uma jóia que sobressaia ao centro de Saint-Denis, sendo grande motivo de peregrinações e visitas de todos os cantos.
A porta central estava aberta, muitas pessoas se abarrotavam por ali, enquanto alguns feirantes se aproveitavam do local para vender, com ordem das paróquias, sob a condição de que parte do lucro fosse dada a igreja. Giovanni resolveu entrar na basílica, muitas pessoas estavam sentadas em longos bancos de madeira, a maioria estava ajoelhada e rezava. Gente de todo o tipo e de todas as idades estava entre os presentes. A inserção de luz no ambiente era incrível se comparado a igreja românica, seu teto subia infinitamente e a circulação do ar era maior. A nave se sustentava de fortes pilares até chegar ao altar, no teto cruzavam-se arcos que proporcionar maior sustentação ao peso e a altura.
Giovanni seguiu para um confessionário do lado esquerdo da entrada, o confessionário parecia uma caixa com duas portas cheias de furos, o médico entrou por uma das portas, destinada a quem fosse confessar. Do outro lado ouvia a respiração de um clérigo, por entre os furos na divisão que os separava, via-se muito pouco de seu rosto, que parecia estranho. O velho tentou prestar mais atenção, o clérigo estava com uma máscara branca, igual a dos médicos da peste. Giovanni se assuntou e se jogou contra a parede do confessionário com os braços abertos apoiando-se nos cantos, seus olhos arregalaram e sua voz não saia, seria aquele um sonho?

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