Capítulo 1
Durante
aquele outono, a planície do norte da França, entre um emaranhado de árvores
compridas e cascudas, havia se tornado tão gélida devido aos ventos que
sopravam. Já no início do outono, as folhas de muitas árvores acabavam cedendo
à natureza do rigoroso outono. Os esquilos e gambás corriam rapidamente por
entre os arbustos, enquanto os ratos silvestres se escondiam do frio. Por vezes
poderia até mesmo encontrar algum cervo desorientado. Entretanto, aquele dia
seria diferente, as arvores desfolhadas seriam ouvintes de uma batalha, nem
mesmo os bichos ficariam ali para presenciar.(continue lendo)
Os
ventos do norte faziam as temperaturas caírem e se manterem por cerca de dez
graus por todo o outono até piorar durante o rigoroso inverno. Embora a maioria
das árvores tivesse perdido suas folhas, todas juntas davam um efeito de cerco,
o que deixava o ambiente escuro até mesmo em épocas ensolaradas. Muitas barracas
francesas, feitas de peles de animais e que protegiam contra o frio,
descansavam sobre a planície orvalhada daquela manhã. Ao lado de muitas delas,
algumas fogueiras davam seus últimos sinais de vida, deixando uma leve e lenta
fumaça subir ao ar e fazer companhia aos insetos que tanto assolavam a vida dos
soldados. Recipientes de barro, pouco ornamentados, talvez um símbolo ou outro,
mantinham-se abertos e vazios ao lado das barracas. O vinho, uma bebida
bastante consumida naquela região, já havia sido consumido há muito tempo.
A
quietude daquela manhã era grande, chegava até mesmo a ser preocupante pela
tensão ou medo de ocorrer alguma surpresa. Não se ouvia sussurro algum. O
silêncio for cortado pelo som do cavalgar de um cavalo montado por um soldado
francês, um tipo de batedor que somente com a roupa de baixo, uma espécie de
ceroula apertada e uma cota de malha, saiu gritando por entre as barracas:
-
Os ingleses se aproximam! Acordem seus nojentos! Vamos a batalha!
Pouco
a pouco, mas muito rapidamente, a paisagem de barracas foi tomada por milhares
de homens, soldados que se preparavam, enquanto alguns colocavam as cotas de
malha, outros já arrumavam os elmos nas cabeças, embora toda aquela armadura
não fosse confortável. Soldados ainda acordavam e saiam das barracas apenas de
ceroulas. Em cerca de dez minutos, todos os quarenta mil homens franceses já
tinham colocado suas cotas de malha. A maioria deles, homens pobres e
camponeses se protegia com o que podia comprar. Muitos sem cota de malha,
outros apenas com cota de malha, por raras vezes com parte da pesada e cara
armadura. Os cavaleiros tinham sua armadura completa que chegava próxima de
vinte e cinco quilos se contarmos desde o elmo em forma de cônica até as botas,
montado sobre um estribo que o fazia parte integrante do equino, segurando uma
lança, muitas vezes uma espada pesada e quase sempre em companhia de um escudo
triangular feito de metal. Muitos cavaleiros usavam a alabarda, uma espécie de
lança com uma ponta em forma de machado, evitando o atrito corporal com o
inimigo.
O
exército francês, após estar totalmente preparado e orgulhoso sobre a planície
que não mais orvalhada, agora enlamaçada devido a chuva que começava a cair,
estava dividido apenas entre infantaria despreparada e cavalaria nobre. A
infantaria que seguia na frente se subdividia entre piqueiros que carregavam um
pique ou chuço, com três metros de comprimento e que poderia ser mortífero com
apenas um ataque; entre soldados com espadas, as espadas recebiam o nome de
montantes, não eram tão largas e seu peso dava mais mobilidade aos homens;
entre lanceiros, com lanças mais leves que poderiam ser jogadas contra o
inimigo e por último os besteiros montados em cavalos. Essa era a ordem do
exército que embora parecesse invencível, era muito indisciplinado e
despreparado, a maioria dos homens nunca havia lutado e se dividia entre
camponeses e mercadores falidos. Por vezes encontravam-se homens que mal sabiam
vestir as armaduras. Os mais preparados vinham por último, esses montados em
cavalos com ares de nobreza, assim como seu comandante Charles I d’ Abret, os
tipos de homens como Charles, na maioria das vezes eram menos afetados.
Charles
era um homem orgulhoso e determinado, tomou frente do exército deixando a
mostra a sua bela armadura dourada com o símbolo da Casa de Valois no lado
esquerdo do peito, segurava um escudo triangular com uma flor-de-lis
centralizada, carregava uma espada e o seu elmo tinha formado triangular, e
disse:
-
Caros soldados, mantenham-se erguidos, lutem pela França, por seus filhos e
mulheres. E não deixem que o peso de suas armas os façam desistir, ataquem sem
piedades aqueles malditos ingleses, aqueles bárbaros. Vamos mostrar a eles do
que os franceses são capazes e que nós podemos defender essa região comercial.
Hoje é dia de São Crispim, lutemos com sua benção!
Seguiu-se
de fortes batidas nos escudos como forma de retribuição as palavras de Charles,
o exército era comandado por vários homens experientes, todos nobres. Todos
ordenaram para que o exército começasse a caminhar. Logo à frente homens
carregavam a bandeira azul com três flores de lis, cheia de altivez. A bandeira não tinha brilho e estava ensopada
pela chuva. A extensa planície entre árvores desfolhadas seguia por quilômetros
até chegar a uma espécie de atoleiro seguido de um planalto tão sem brilho
quanto aquela manhã que já era mais enegrecida do que há poucos minutos. O
tempo fechava-se aos poucos, os pingos de chuva ficavam mais fortes e grossos.
Logo
acima do planalto estavam os ingleses, embora com um menor número de homens,
cerca de quinze mil homens, estavam mais preparados e disciplinados, loucos
pelo território normando. Divididos entre arqueiros ingleses e galeses que se
seguravam imponentemente seus arcos de dois metros; entre cavaleiros com
alabardas, lanças e espadas largas; e uma infantaria com homens que possuíam
mangais, uma espécie de arma com uma bola pesada cheia de pontas que poderia
dilacerar qualquer parte do corpo. Muitos soldados possuíam espadas empunhadas.
Quem comandava o exército inglês era o próprio rei, Henrique V, com vinte e
oito anos, um tanto quanto experiente.
Henrique
V seguiu próximo ao estandarte, a bandeira vermelha com a figura dos três
leões, referente a sua casa e começou a falar:
-
Homens, estamos em um território que é nosso por direito, tomado por esses
franceses orgulhosos, idiotas e que se acham donos do mundo. Vamos mostrar a
eles o quê? – indagou.
-
Vamos mostrá-los como se luta! – todos os soldados diziam em coro, e erguiam os
braços.
-
Vamos mostrar a eles o quê? – indagou novamente.
-
Vamos mostrá-los como se luta! – e batiam nos escudos circulares.
Henrique
vestia uma armadura de aço, empunhava uma espada longa com uma lâmina que
chegava a brilhar mesmo sem sol, segurava um escudo circular estampado com um
leão de boca aberta, seu elmo tinha forma circular com alguns detalhes
dourados, em sua extremidade destacava uma penugem vermelha.
Logo
após alguns minutos, os ingleses já estavam dispostos a beira do planalto,
tanto eles quanto os franceses, se visualizavam. Os pingos de chuva escorriam
pelas armaduras, mas encharcavam o atoleiro que os dividiam.
O
momento de espera chegara ao fim. Aquele era um momento de tensão, ouvia-se
apenas o som da chuva, das árvores e do vento. Os dois exércitos se
entreolhavam esperando o primeiro ataque. A infantaria francesa investiu contra
a cavalaria do inimigo, mas antes que chegassem até os ingleses, os piqueiros
foram massacrados com centenas de flechas galesas que acertavam seus corpos,
perfurando as cotas de malha causando cavidades na pele, seus piques afundavam
no atoleiro. Embora a batalha fosse entre franceses e ingleses, o atoleiro
estava favorecendo o exército de Henrique V. Os homens de Charles, tentavam
investir contra o inimigo, mas seus corpos de tornavam pesados na medida em que
adentravam ao atoleiro.
Os
cavaleiros franceses tentaram atacar os o arqueiros, sob o comando de Charles, mas
tal ataque resultou em poucas baixas ao inimigo. No campo de batalha, a chuva
aumentava e transformava o chão em um verdadeiro mar de lama, fazendo dos
franceses alvos fáceis, tinham se tornado mais lentos e com pouca mobilidade.
Os arqueiros ingleses deram mais uma investida com centenas de flechas com
precisão milimétrica que acertavam braços, olhos e pernas. Os franceses caiam
aos montes no atoleiro que se transformava em um lago de sangue, muitos ainda
agonizavam enquanto afundavam na água enlamaçada.
Os
franceses eram persistentes, já haviam perdido quase metade de seus homens.
Charles I d’ Albret, em uma investida individual e arriscada, desviava-se das
flechas montado em seu cavalo sobre o atoleiro, dando golpes de espadas em
ingleses, caíram ao menos dez homens da infantaria, até que uma fecha galesa
atravessou o pescoço do líder francês, seguido por uma lança que perfurou o
peito e o derrubou do estribo. Seu corpo ensangüentado jazia no chão, os
franceses tomaram um grande choque ao ver aquilo, muitos tentaram resgatar o
corpo do líder, mas todos caiam conforme as flechas os acertavam. Os ingleses
se aproximaram do atoleiro, por um tempo os ataques cessaram, sob a bandeira do
leão dourado, soldados ingleses arrancara o pescoço de Charles.
Ainda no final daquela manhã, a chuva e o
frio também eram inimigos. Dos quarenta mil homens franceses, havia restado
menos da metade, enquanto os ingleses não tinham se quer perdido cinqüenta
homens, dentre eles de infantaria. O exército francês com grande debilidade e
sem líder, se encontrava muito mais fraco do que no início da batalha, aos
poucos começou a recuar cedendo espaço aos ingleses orgulhosos de tal feito.
O ambiente era assustador, homens ainda vivos
agonizavam aos gritos com suas entranhas caídas no atoleiro, pedindo pelas suas
mortes. Seus amigos e parentes estavam mortos bem ao lado. Braços jaziam entre
a lama e o sangue, muitas vezes sem donos. As incontáveis flechas galesas
faziam parte agora do corpo dos franceses, entre olhos e corações. O atoleiro
havia se tornado um tapete de homens, com direito a tripas, músculos e ossos
expostos.
A
batalha havia sido um verdadeiro desastre para os franceses, se continuassem
lutando seriam exterminados todos, o disciplina de exército inglês, embora de
homens muitas vezes incivilizados, sobressaiu sobre o despreparo e orgulho dos
franceses. Na contagem dos ingleses, as baixas francesas foram de dez mil
homens, entre eles nobres e mortos de fome, mil e seiscentos foram aprisionados
e tiveram seus dedos cortados. Outros tiveram seus braços quebrados e sofriam
torturas para contarem qualquer informação. Do lado inglês, pereceu cerca de
duzentos soldados, a maioria de infantaria.
A
cabeça ensanguentada de Charles I d’ Abret era segurada por um cavaleiro
inglês, e seria colocava sobre uma lança sobreposta no chão. Henrique V ordenou
que os ingleses recolhessem os corpos de seus homens mortos e que recebessem um
funeral honroso.
O
dia de São Crispim terminara em sangue, raiva, frio e chuva, sobre um atoleiro
cheio de vísceras, intestinos, cérebros, braços e olhos, os animais de rapina
logo se aproveitariam da situação. Enquanto isso, os ingleses continuariam a
sua marcha na Normandia, rumo ao sul, por entre as paisagens mais hostis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário