sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Primeiro Capítulo - Postado!

Capítulo 1

Durante aquele outono, a planície do norte da França, entre um emaranhado de árvores compridas e cascudas, havia se tornado tão gélida devido aos ventos que sopravam. Já no início do outono, as folhas de muitas árvores acabavam cedendo à natureza do rigoroso outono. Os esquilos e gambás corriam rapidamente por entre os arbustos, enquanto os ratos silvestres se escondiam do frio. Por vezes poderia até mesmo encontrar algum cervo desorientado. Entretanto, aquele dia seria diferente, as arvores desfolhadas seriam ouvintes de uma batalha, nem mesmo os bichos ficariam ali para presenciar.(continue lendo)




Os ventos do norte faziam as temperaturas caírem e se manterem por cerca de dez graus por todo o outono até piorar durante o rigoroso inverno. Embora a maioria das árvores tivesse perdido suas folhas, todas juntas davam um efeito de cerco, o que deixava o ambiente escuro até mesmo em épocas ensolaradas. Muitas barracas francesas, feitas de peles de animais e que protegiam contra o frio, descansavam sobre a planície orvalhada daquela manhã. Ao lado de muitas delas, algumas fogueiras davam seus últimos sinais de vida, deixando uma leve e lenta fumaça subir ao ar e fazer companhia aos insetos que tanto assolavam a vida dos soldados. Recipientes de barro, pouco ornamentados, talvez um símbolo ou outro, mantinham-se abertos e vazios ao lado das barracas. O vinho, uma bebida bastante consumida naquela região, já havia sido consumido há muito tempo.
A quietude daquela manhã era grande, chegava até mesmo a ser preocupante pela tensão ou medo de ocorrer alguma surpresa. Não se ouvia sussurro algum. O silêncio for cortado pelo som do cavalgar de um cavalo montado por um soldado francês, um tipo de batedor que somente com a roupa de baixo, uma espécie de ceroula apertada e uma cota de malha, saiu gritando por entre as barracas:
- Os ingleses se aproximam! Acordem seus nojentos! Vamos a batalha!
Pouco a pouco, mas muito rapidamente, a paisagem de barracas foi tomada por milhares de homens, soldados que se preparavam, enquanto alguns colocavam as cotas de malha, outros já arrumavam os elmos nas cabeças, embora toda aquela armadura não fosse confortável. Soldados ainda acordavam e saiam das barracas apenas de ceroulas. Em cerca de dez minutos, todos os quarenta mil homens franceses já tinham colocado suas cotas de malha. A maioria deles, homens pobres e camponeses se protegia com o que podia comprar. Muitos sem cota de malha, outros apenas com cota de malha, por raras vezes com parte da pesada e cara armadura. Os cavaleiros tinham sua armadura completa que chegava próxima de vinte e cinco quilos se contarmos desde o elmo em forma de cônica até as botas, montado sobre um estribo que o fazia parte integrante do equino, segurando uma lança, muitas vezes uma espada pesada e quase sempre em companhia de um escudo triangular feito de metal. Muitos cavaleiros usavam a alabarda, uma espécie de lança com uma ponta em forma de machado, evitando o atrito corporal com o inimigo.
O exército francês, após estar totalmente preparado e orgulhoso sobre a planície que não mais orvalhada, agora enlamaçada devido a chuva que começava a cair, estava dividido apenas entre infantaria despreparada e cavalaria nobre. A infantaria que seguia na frente se subdividia entre piqueiros que carregavam um pique ou chuço, com três metros de comprimento e que poderia ser mortífero com apenas um ataque; entre soldados com espadas, as espadas recebiam o nome de montantes, não eram tão largas e seu peso dava mais mobilidade aos homens; entre lanceiros, com lanças mais leves que poderiam ser jogadas contra o inimigo e por último os besteiros montados em cavalos. Essa era a ordem do exército que embora parecesse invencível, era muito indisciplinado e despreparado, a maioria dos homens nunca havia lutado e se dividia entre camponeses e mercadores falidos. Por vezes encontravam-se homens que mal sabiam vestir as armaduras. Os mais preparados vinham por último, esses montados em cavalos com ares de nobreza, assim como seu comandante Charles I d’ Abret, os tipos de homens como Charles, na maioria das vezes eram menos afetados.
Charles era um homem orgulhoso e determinado, tomou frente do exército deixando a mostra a sua bela armadura dourada com o símbolo da Casa de Valois no lado esquerdo do peito, segurava um escudo triangular com uma flor-de-lis centralizada, carregava uma espada e o seu elmo tinha formado triangular, e disse:
- Caros soldados, mantenham-se erguidos, lutem pela França, por seus filhos e mulheres. E não deixem que o peso de suas armas os façam desistir, ataquem sem piedades aqueles malditos ingleses, aqueles bárbaros. Vamos mostrar a eles do que os franceses são capazes e que nós podemos defender essa região comercial. Hoje é dia de São Crispim, lutemos com sua benção!
Seguiu-se de fortes batidas nos escudos como forma de retribuição as palavras de Charles, o exército era comandado por vários homens experientes, todos nobres. Todos ordenaram para que o exército começasse a caminhar. Logo à frente homens carregavam a bandeira azul com três flores de lis, cheia de altivez.  A bandeira não tinha brilho e estava ensopada pela chuva. A extensa planície entre árvores desfolhadas seguia por quilômetros até chegar a uma espécie de atoleiro seguido de um planalto tão sem brilho quanto aquela manhã que já era mais enegrecida do que há poucos minutos. O tempo fechava-se aos poucos, os pingos de chuva ficavam mais fortes e grossos.
Logo acima do planalto estavam os ingleses, embora com um menor número de homens, cerca de quinze mil homens, estavam mais preparados e disciplinados, loucos pelo território normando. Divididos entre arqueiros ingleses e galeses que se seguravam imponentemente seus arcos de dois metros; entre cavaleiros com alabardas, lanças e espadas largas; e uma infantaria com homens que possuíam mangais, uma espécie de arma com uma bola pesada cheia de pontas que poderia dilacerar qualquer parte do corpo. Muitos soldados possuíam espadas empunhadas. Quem comandava o exército inglês era o próprio rei, Henrique V, com vinte e oito anos, um tanto quanto experiente.
Henrique V seguiu próximo ao estandarte, a bandeira vermelha com a figura dos três leões, referente a sua casa e começou a falar:
- Homens, estamos em um território que é nosso por direito, tomado por esses franceses orgulhosos, idiotas e que se acham donos do mundo. Vamos mostrar a eles o quê? – indagou.
- Vamos mostrá-los como se luta! – todos os soldados diziam em coro, e erguiam os braços.
- Vamos mostrar a eles o quê? – indagou novamente.
- Vamos mostrá-los como se luta! – e batiam nos escudos circulares.
Henrique vestia uma armadura de aço, empunhava uma espada longa com uma lâmina que chegava a brilhar mesmo sem sol, segurava um escudo circular estampado com um leão de boca aberta, seu elmo tinha forma circular com alguns detalhes dourados, em sua extremidade destacava uma penugem vermelha.
Logo após alguns minutos, os ingleses já estavam dispostos a beira do planalto, tanto eles quanto os franceses, se visualizavam. Os pingos de chuva escorriam pelas armaduras, mas encharcavam o atoleiro que os dividiam.
O momento de espera chegara ao fim. Aquele era um momento de tensão, ouvia-se apenas o som da chuva, das árvores e do vento. Os dois exércitos se entreolhavam esperando o primeiro ataque. A infantaria francesa investiu contra a cavalaria do inimigo, mas antes que chegassem até os ingleses, os piqueiros foram massacrados com centenas de flechas galesas que acertavam seus corpos, perfurando as cotas de malha causando cavidades na pele, seus piques afundavam no atoleiro. Embora a batalha fosse entre franceses e ingleses, o atoleiro estava favorecendo o exército de Henrique V. Os homens de Charles, tentavam investir contra o inimigo, mas seus corpos de tornavam pesados na medida em que adentravam ao atoleiro.
  Os cavaleiros franceses tentaram atacar os o arqueiros, sob o comando de Charles, mas tal ataque resultou em poucas baixas ao inimigo. No campo de batalha, a chuva aumentava e transformava o chão em um verdadeiro mar de lama, fazendo dos franceses alvos fáceis, tinham se tornado mais lentos e com pouca mobilidade. Os arqueiros ingleses deram mais uma investida com centenas de flechas com precisão milimétrica que acertavam braços, olhos e pernas. Os franceses caiam aos montes no atoleiro que se transformava em um lago de sangue, muitos ainda agonizavam enquanto afundavam na água enlamaçada.
Os franceses eram persistentes, já haviam perdido quase metade de seus homens. Charles I d’ Albret, em uma investida individual e arriscada, desviava-se das flechas montado em seu cavalo sobre o atoleiro, dando golpes de espadas em ingleses, caíram ao menos dez homens da infantaria, até que uma fecha galesa atravessou o pescoço do líder francês, seguido por uma lança que perfurou o peito e o derrubou do estribo. Seu corpo ensangüentado jazia no chão, os franceses tomaram um grande choque ao ver aquilo, muitos tentaram resgatar o corpo do líder, mas todos caiam conforme as flechas os acertavam. Os ingleses se aproximaram do atoleiro, por um tempo os ataques cessaram, sob a bandeira do leão dourado, soldados ingleses arrancara o pescoço de Charles.
  Ainda no final daquela manhã, a chuva e o frio também eram inimigos. Dos quarenta mil homens franceses, havia restado menos da metade, enquanto os ingleses não tinham se quer perdido cinqüenta homens, dentre eles de infantaria. O exército francês com grande debilidade e sem líder, se encontrava muito mais fraco do que no início da batalha, aos poucos começou a recuar cedendo espaço aos ingleses orgulhosos de tal feito.
 O ambiente era assustador, homens ainda vivos agonizavam aos gritos com suas entranhas caídas no atoleiro, pedindo pelas suas mortes. Seus amigos e parentes estavam mortos bem ao lado. Braços jaziam entre a lama e o sangue, muitas vezes sem donos. As incontáveis flechas galesas faziam parte agora do corpo dos franceses, entre olhos e corações. O atoleiro havia se tornado um tapete de homens, com direito a tripas, músculos e ossos expostos.
A batalha havia sido um verdadeiro desastre para os franceses, se continuassem lutando seriam exterminados todos, o disciplina de exército inglês, embora de homens muitas vezes incivilizados, sobressaiu sobre o despreparo e orgulho dos franceses. Na contagem dos ingleses, as baixas francesas foram de dez mil homens, entre eles nobres e mortos de fome, mil e seiscentos foram aprisionados e tiveram seus dedos cortados. Outros tiveram seus braços quebrados e sofriam torturas para contarem qualquer informação. Do lado inglês, pereceu cerca de duzentos soldados, a maioria de infantaria.
A cabeça ensanguentada de Charles I d’ Abret era segurada por um cavaleiro inglês, e seria colocava sobre uma lança sobreposta no chão. Henrique V ordenou que os ingleses recolhessem os corpos de seus homens mortos e que recebessem um funeral honroso.
O dia de São Crispim terminara em sangue, raiva, frio e chuva, sobre um atoleiro cheio de vísceras, intestinos, cérebros, braços e olhos, os animais de rapina logo se aproveitariam da situação. Enquanto isso, os ingleses continuariam a sua marcha na Normandia, rumo ao sul, por entre as paisagens mais hostis.

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